sábado, 30 de março de 2013


Não havia a menor possibilidade de que algum deles soubesse o que se passava por seus pensamentos. Ela não distinguia claramente quais eram seus objetivos e à medida que aqueles sórdidos cinco minutos que não a permitiam a mínima privacidade passavam, distinguia menos ainda. Tanto se passara naquela desimportante e rotineira caminhada; uma simples melodia lhe trouxera antigos sorrisos e lembranças. Se não muito lhe restaria ao término do dia, concluiu que poderia se permitir ter saudade até que chorasse com sinceridade. Sempre vivera de realismo e acordos, afinal.
Acreditou possuir alguma importância por ter visualizado algo de cinematográfico nas poucas gotas que vindas do céu se misturavam às suas tímidas lágrimas e seguiu. Sabia que não muito lhe restaria depois que a vissem, por isso se trancou no mesmo renegado recinto forçando seu corpo a acabar com seu drama particular o mais breve possível. Desconhecia a fórmula que sua subjetividade encontrara de articular a própria vida num surto de epifanias intencionalmente doces e ácidas. Que mal poderia haver em querer tornar a própria existência algo importante? Sempre vivera do onírico e de aceitação, afinal.
Pudera ter negado com veemência esta necessidade pelo que sequer permitiria concluir o pensamento, mas se rendera por alguns eternos segundos à lavanda, ao café e à leve melodia antiga que de tão presente se encaixara no cenário num clima de frescor da manhã. Por quanto tempo teria resgatado aquela bela imagem? Se catorze anos apenas haviam reforçado o que seu coração insistia em adornar, haveria uma saída fácil? Sabia que sua desimportância importaria pelo resto do dia, então se prendeu a uma obrigação qualquer, destrancou a barulhenta porta e se tornou a protagonista de seu insignificante dia.